Quem somos
A União Portuguesa de Budo, a mais antiga associação de Artes Marciais em Portugal, foi fundada pelo Mestre António Hilmar Schalck Corrêa Pereira, que reuniu à sua volta um grupo de pessoas que comungavam dos mesmos objectivos: o estudo das artes de combate japonesas, em que a técnica e a prática se fundem de modo indissociável ao desenvolvimento espiritual, moral e social do praticante.
Antes dele, outros procuraram dar a conhecer essas artes em Portugal. Dois japoneses, Hirano e Raku, mestres de Ju-Jutsu, fizeram demonstrações públicas. Um português, Armando Gonçalves, instrutor da PSP do Porto, escreveu alguns livros sobre o assunto. Mas nunca tinha existido antes, por vários motivos, uma organização dedicada exclusivamente ao culto do Budo. Foi graças à força de vontade e férrea determinação do Mestre Corrêa Pereira que se fundou a associação à qual se devem a introdução no nosso país do Ju-Jutsu, Judo, Karate-do e Aikido. Iniciado na prática do Ju-Jutsu em Berlim, na década de trinta, quando estudava engenharia química na Universidade Técnica de Berlim, situada na época no bairro de Charlottenburg-Wilmersdorf (e que tomou o nome de Humboldt zu Berlin Universität em 1946), regressa a Portugal com o objectivo de aprofundar ao máximo os seus conhecimentos e de aqui expandir o seu ensino. Funda então a Academia de Judo, cujo Dojo funcionará na Rua de S. Paulo até à abertura, em 1958, do Dojo de Entrecampos, que passa a chamar-se "Academia de Budo".
Mestre António Hilmar Schalck Corrêa Pereira
Dojo da Academia de Judo, na Rua de São Paulo
Dojo da Academia de Budo, em Entrecampos
Eng. Mário Sebastião Durão
Aula de Karate-do dirigida pelo Mestre Pires Martins, Academia de Budo, 1965
Raul Cerveira, Pires Martins e Manuel Ceia, 1965
Dr. João Luís Franco Pires Martins
Coronel João Luís Freire de Almeida
A orientação do ensino da Academia pode ser caracterizada pela procura da realidade marcial e da evolução espiritual, demarcando-se da realidade desportiva. Algumas datas e factos ajudarão a compreender como foi difícil, por vezes, distinguir ambos os campos:
Em 1948, por despacho ministerial, o Judo foi excluído dos exercícios classificados como desporto. Em 57, novo despacho considera o Judo modalidade desportiva. Em 59, a sua prática foi considerada de utilidade militar, por despacho de S. Ex.ª o Ministro da Defesa Nacional. No mesmo ano, um despacho admite a distinção entre Judo marcial e Judo desportivo, ficando este subordinado ao Ministério da Educação Nacional e aquele ao Ministério da Defesa Nacional. Em 1960, por despacho de S. Ex.ª o Ministro do Interior, é aprovado o estatuto da União Portuguesa de Budo que, subordinada ao Ministério da Defesa Nacional, fica sendo a entidade dirigente do Budo e, portanto, do Judo marcial em Portugal. Dois anos depois, por sua vez, a Federação Portuguesa de Judo vê aprovados os seus estatutos, ficando subordinada ao Ministério da Defesa Nacional, passando a ser a entidade dirigente do Judo desportivo em Portugal.
Ao examinarmos os estatutos da UBU podemos verificar o que a separa das outras organizações: o culto exclusivo do Budo, abstendo-se de qualquer prática desportiva, a formação moral e espiritual dos seus praticantes. Numa época em que o espírito desportivo e de competição prevalecia em todo o mundo, inclusive no Japão, o Mestre Corrêa Pereira tomou a seu cargo a árdua tarefa de erguer uma organização que defendesse os altos princípios do Budo. Para tal, rodeou-se de homens norteados pelos mesmos ideais, e é necessário realçar o mérito desses praticantes cuja influência foi determinante na fundação e posterior desenvolvimento da UBU.
O Engenheiro Sebastião Durão, por exemplo, foi alguém que, de forma particularmente activa, mais importância teve desde o início, e que muito contribuiu junto do governo para a aprovação do estatuto e em todos os momentos decisivos da história da União; o Coronel João Luís Freire de Almeida, também ele um dos fundadores da UBU, que iniciou a secção de Artes Marciais do Colégio Militar, onde foi instrutor; o Dr. João Luís Franco Pires Martins, introdutor do Karate-do em Portugal e que, para além da sua importância como praticante, assegurou durante anos o funcionamento permanente da Academia de Budo.
Estas são algumas das pessoas que maior influência directa tiveram na vida e desenvolvimento da UBU, mas houve muitos outros que ajudaram a transformar os objectivos do Mestre Corrêa Pereira numa realidade.
A sua obra recebeu o maior aplauso por parte dos altos responsáveis nipónicos, em particular de Minoru Mochizuki, o Mestre que reuniu o maior número de graduações em todas as Artes Marciais. Em carta deste grande cultor do Budo ao Mestre Corrêa Pereira, pode ler-se o seguinte:
"Eu sei bem que V. não é um judoca ‘para se divertir’ e nunca esquecerei que, no que se refere ao Judo como arte de combate, V. é o único na Europa que o compreendeu verdadeiramente. (...) Estou muito feliz por saber que a ‘definição sobre Judo’ foi feita no mundo do Judo graças aos seus esforços. É a primeira vez. O mérito do seu governo, neste ponto, brilhará eternamente; deu um ensinamento muito importante ao mundo do Judo. Quanto ao problema da divisão do Budo-Judo, bem como da separação da administração, pode dizer-se que é considerada uma excelente ideia por parte do Kodokan, especialmente pelos homens de elevada graduação progressivos, ao passo que uma parte de conservadores não ousa olhá-la justamente. Todavia, depois da Segunda Guerra, quando a influência da América foi poderosa, (...) declarou-se que o Judo seria apenas um desporto. Mas somente eu, respeitando o testamento de Mestre Jigoro Kano, e insistindo que o Judo não é apenas uma espécie de desporto, apoio a parte do Budo-Judo, pelo que me vejo forçado a ter muitos inimigos, (...) e Mifune, 10º Dan, compreende-me profundamente."
Pela mesma ocasião, o Mestre Mochizuki escreveu ao então major Freire de Almeida:
"Eu, como Budo-Judoka, li a sua carta com grande prazer e estou muito feliz por saber que Portugal toma a iniciativa para estabelecer o novo sistema, que, sem dúvida, deitará os reflexos luzidios ao mundo inteiro do Judo, e ao mesmo tempo estou persuadido de que os seus esforços e os do Sr. António Corrêa Pereira valem méritos históricos".
A figura de Mestre Mochizuki é uma das autoridades em que a UBU se baseou para definir os seus objectivos, mas a muitos outros foi buscar os ensinamentos, dentre os quais podemos destacar: Jigoro Kano, fundador do Judo; Gichin Funakoshi, fundador do Karate; Morihei Ueshiba, fundador do Aikido; e outros grandes Mestres destas Artes, como Shiro Saigo, Nobuyuki Kunishige, Mifune, Kurihara, Otani, Tomiki, Tohei, Oyama, Ichiro Abe, Koizumi, Osaki, Tadashi Abe, Kawaishi, Mizuno, Hisatomi. Foi em palavras desses grandes mestres que a UBU se baseou para ultrapassar o processo de aprovação do seu Estatuto e da própria Associação, que foi extremamente árduo e difícil, devido à inconcebível pressão por parte de responsáveis da nascente Federação de Judo. Por exemplo, num parecer pedido pelo Ministério, afirma-se que “o Budo é hoje no Japão uma actividade irrevogavelmente extinta (…)”.
O Mestre Corrêa Pereira, para a elaboração do parecer da UBU, citou palavras de todos eles:
— “Em Judo a palavra ‘Budo’ designa particularmente a autodefesa (...).” (Ichiro Abe, 7º Dan)
— “O espírito do Judo foi absorvido pelo lado desportivo do Judo moderno (...).” (Mifune, 10º Dan)
— “Se o professor Kano ainda vivesse, decerto teria chorado (...).” (Otani, 9º Dan)
— “O Judo tornou-se geralmente congénere dos desportos (...). O fundador, Jigoro Kano, condenou frequentemente a prática do Judo conducente ao Judo de competição (...)” (Koizumi, 7º Dan)
— “O Judo ou Ju-Jutsu, por sua natureza, não pode ser classificado como desporto (...).” (Id.)
— “Lembrem-se (...) que há sempre elementos que se intrometem para explorar o Judo (...).” (Id.)
— “Praticar uma Arte Marcial como simples treino desportivo equivale a cultivar flores num jardim de cimento (...).” (Tadashi Abe, 7º Dan)
Para conseguir progredir nesta via, a UBU publicava regularmente textos traduzidos do japonês, muitas vezes na forma de pequenas histórias, que levavam o aluno a procurar intuitivamente o verdadeiro sentido do Budo. Procurava-se incutir o aperfeiçoamento permanente — técnico, físico e espiritual — sustentado por treinos intensivos.
Para a orientação da prática na Academia de Budo, o Mestre Corrêa Pereira procurou encontrar uma figura que representasse a mais pura tradição do Judo marcial. Assim, após longas negociações junto do governo japonês, foi recomendado à Academia o Mestre Masami Shirooka, inspector de Educação Física do Ministério da Educação Nacional do Japão, como um dos maiores mestres de Judo. Para a sua vinda contribuíram decisivamente, entre outras, as seguintes personalidades: Iotaro Koda, ex-ministro do Japão em Portugal; Iuso Isono, então embaixador do Japão; Tomiyo Takata; Hirokichi Nadao; Dr. Emílio Patrício; Risei Kano; Shigenori Tashiro, 8º Dan; Koki Naganuma, 7º Dan; Mizuno, 6º Dan; Heisaburo Fukuda, do jornal Asahi Shinbun.
Dr. Pires Martins e Mestre Tetsuji Murakami, Academia de Budo, 1971
A introdução do Aikido na Academia coube ao Dr. João Luís Franco Pires Martins. O seu interesse pela arte leva-o a propor a Daniel Laurent, praticante de Karate e 2.º Kyu de Aikido, a criação de uma classe em 1965. Estabelecem-se contactos com o seu professor, Mestre Georges Stobbaerts, que assume a direcção técnica.
Mais tarde, vem a Portugal Misao Honda, aluno de Kobayashi, leccionando entre 1971 e 1972. Em 1971 ocorre o primeiro estágio de Aikido dirigido pelo próprio Kobayashi. Após o regresso de Honda ao Japão, a direcção técnica passa para Leopoldo Ferreira. Kobayashi regressa em 1974 e 1975. Elementos da Academia passam então a deslocar-se ao estrangeiro para estágios com mestres como Flocquet, Nocquet, Tissier, Tamura e Tomita. As influências determinantes para o Aikido da UBU permanecem as de Stobbaerts e Kobayashi.
Após o falecimento do Mestre Corrêa Pereira e a demolição do dojo de Entrecampos, a UBU atravessa um período de crise, mantendo-se nos dojos dos seus professores. A orientação inicial é preservada por Leopoldo Ferreira, que assume a direcção pedagógica e administrativa, apoiado por António Lima, João Luís, José Araújo e Óscar Romualdo. Instituem-se três estágios anuais por arte, com o estágio de Verão como encontro central.
A UBU procura manter relações cordiais com outras associações, dentro do espírito de independência pedagógica e administrativa que sempre a norteou, apoiando a participação de praticantes em estágios externos.
Masaami Shirooka envergando a farda de Tenente
Masaami Shirooka de Judogi
O Mestre Shirooka permaneceu em Portugal durante um ano como professor efectivo da Academia de Budo, tendo chegado a Lisboa no dia 19 de Abril de 1959. Participou na II Grande Guerra como tenente, sendo depois promovido a capitão. Citando o Mestre Corrêa Pereira:
“Shirooka (...) sabe que a sua missão na Academia consiste em cultivar o Judo tradicional japonês como ramo do Budo, visando exclusivamente a realidade. (...) O seu estribilho: Treine, treine, treine.”
O Mestre Corrêa Pereira, pela sua concepção marcial do ensino, abriu o caminho para os outros ramos do Budo. Em 1959, o Mestre Kiyoshi Mizuno visita o país, a convite da Federação Portuguesa de Judo, portador de uma missiva de Risei Kano. Na ocasião, faz uma demonstração de Judo, Karate-do e Aikido no dojo da Rua de S. Paulo — a primeira apresentação destas artes em Portugal.
É em 63 que tem lugar a primeira aula de Karate-do, introduzida pelo Dr. Pires Martins, após estágios efectuados em França. O contacto com mestres de Shotokan e Shito-Ryu marcou a orientação técnica desse período.
Citam-se alguns dos professores da época: Mário Rebola, Manuel Ceia, Alexandre Gueifão, Raul Cerveira, Fragoso Fernandes, Francisco Gouveia, António Lima.
Mais tarde, torna-se necessário procurar um Mestre que correspondesse às exigências técnicas da UBU. A escolha recai sobre Tetsuji Murakami, aluno do Mestre Egami, da escola Shotokai. Dirige quatro estágios na Academia (1969–72). Quando funda a sua própria associação, a UBU reencontra a sua via original, independente, mantendo sempre as melhores relações com o Mestre Murakami. Após o seu falecimento, a UBU organiza uma sessão de homenagem.
Estágio de Aikido dirigido pelo Mestre Georges Stobbaerts, Academia de Budo, 1968
Estágio de Aikido dirigido pelo Mestre Hirokazu Kobayashi, Academia de Budo, 1972
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