Engº Sebastião da Silveira Durão (1918-2002)

Fundador da União Portuguesa de Budo
Professor de Judo e Budo

Um dos pioneiros do Judo marcial em Portugal, foi um dos sócios fundadores da União Portuguesa de Budo, de onde foi Presidente da Direcção até ao seu falecimento. Engenheiro civil, funcionário da Direcção Geral dos Serviços Fluviais e da Direcção Geral de portos. Esteve em comissão de serviços na construção da Ponte sobre o Tejo e do Palácio de Justiça de Lisboa, entre outras obras de vulto. Foi delegado do Ministério das Obras Públicas na extinta Comissão de Defesa Civil do Território. Fez parte da Comissão Interministerial de Segurança, da Comissão de Transportes Marítimos – Nato. Fez os cursos de Defesa Nacional, de 1981 e de 1991, do Instituto de Defesa Nacional. Esteve durante 9 anos no Gabinete do Eng. Arantes e Oliveira, na época Ministro das Obras Públicas. Tem várias condecorações: Oficial da Ordem de Cristo, Medalha da Legião Portuguesa, organismo que serviu, desde a sua criação, em 1936, até cumprir o serviço militar, por se tratar de um movimento de características nacionais, e não o movimento político em que se tornou depois, como gostava de realçar.


Entrevista ao Engº Sebastião da Silveira Durão, por José Manuel Araújo

engduraoejosearaujoJMA: Sr. Engenheiro, quando começou a praticar Artes Marciais? Quais foram as motivações que o levaram ao seu estudo?

SD: Iniciei a prática das Artes Marciais em 1945 na Academia de Judo, na Rua de S. Paulo, que tinha sido fundada pelo mestre Corrêa Pereira. Cumpri o serviço militar, de 42 a 45, e neste período, durante algum tempo, fui instrutor de sapadores de assalto de Engenharia, uma tropa de combate então criada, onde havia a necessidade de defesa individual, dado que as missões de destruição no campo inimigo eram feitas em pequenos grupos. Aprendíamos a utilizar todas as armas de Infantaria e também técnicas de corpo a corpo. A compreensão do espírito das Artes Marciais nasceu também nessa altura. Como exemplo, na técnica de aproximação de uma sentinela que se tem de eliminar para cumprimento de uma missão, mesmo que cumpram as suas regras físicas, isto é, sem se denunciar, sem ser visto ou ouvido, chega-se a uma determinada fase da aproximação em que a sentinela pressente a sua presença, porque algo se lhe transmite sem nós querermos. Assim, há que conseguir controlar a nossa emissão de pensamento, de modo a cortar esse fluxo que vai de nós ao inimigo. Isso não é possível ensinar-se, tem de se aprender por si próprio.

JMA: Isso leva-nos ao lado espiritual, esotérico, das Artes Marciais…

SD: Nas artes de combate há dois aspectos fundamentais: acção física e acção mental, sendo esta muito mais importante. Esta era a filosofia do ensino que o Corrêa Pereira ministrava na Academia.

JMA: O Mestre Corrêa Pereira, desde a fundação da Academia de Judo, opunha-se, portanto, ao Judo considerado como desporto?

SD: O Judo ensinado na Academia era marcial. Se pudéssemos representar o Judo verdadeiro por um metro linear, o actual Judo “desportivo” seriam apenas 10 cm desse metro. Na Academia, a arte de derrubar o adversário era ensinada de todos os modos compreendidos nas diferentes artes do Budo. Repare que se pode derrubar um adversário de várias maneiras: desequilibrando-o, batendo-lhe, atacando-lhe uma articulação. É esta universalidade de modos de combate que caracteriza o Budo. No entanto, para este ser completo, falta-lhe sempre a técnica esotérica.

JMA: O Sr. Engenheiro foi das pessoas que maior influência teve na criação da União Portuguesa de Budo. Fale-nos um pouco da sua fundação.

SD: Na Academia de Judo procurámos sempre ir mais longe. Formámos a UBU, a associação mais antiga do país a dedicar-se exclusivamente ao culto do Budo, em 1960. Fomos vários os sócios fundadores: o Corrêa Pereira, o Coronel Freire de Almeida, entre outros. Houve grandes dificuldades na sua criação, porque o Budo era uma disciplina desconhecida, ninguém do governo sabia muito bem do que se tratava, se era uma religião, se era política… Mais tarde, quando apareceu a CDAM, também passámos por momentos difíceis, havia várias associações que não concordavam com a nossa filosofia…

JMA: Sobrevivemos e continuamos independentes, a defender os mesmos princípios, Sr. Engenheiro. Fale-nos agora um pouco de si. Sei que, apesar de não praticar no tapete há vários anos, continua a exercitar-se diariamente.

SD: Na busca da parte psicológica das Artes Marciais, entra-se cada vez num campo mais profundo; de cada vez queremos ir mais longe. Pratico diariamente vários tipos de exercícios: o Yoga mental, baseado no domínio do espírito sobre o corpo. Efectivamente, repare que o ser humano é levado a apreender a realidade de fora para dentro, isto é, do que lhe é exterior, ao seu efeito em si, e não ao conhecimento do seu interior. Noutro tipo de treino, a Meditação Transcendental, procuramos libertar-nos das sensações físicas, deixando o espírito livre para atingir os estádios mais elevados, até à busca da Verdade. Nesta prática, é possível a execução de exercícios mentais para aperfeiçoamento da velocidade dos reflexos.

JMA: Portanto, a sua prática actual dirige-se mais para o domínio do espírito do que do corpo?

SD: Sem dúvida, embora também pratique vários tipos de exercícios físicos e respiratórios com base em movimentos de Karate e Tai-Chi.

JMA: Sr. Engenheiro, dê alguns conselhos que considere fundamentais para um praticante de Budo.

SD: Por vezes, encontro alguns erros que poderiam ser corrigidos. Por exemplo, o segredo da arte de derrubar está na coordenação absoluta dos movimentos dos braços, das pernas e do corpo, e isso, muitas vezes, não acontece. Na prática, os braços puxam, mas as pernas ou o corpo não participam do mesmo movimento. Outro exemplo de erro bastante comum: quando procuramos atingir um adversário, não devemos nunca limitar-nos a apontar até ao ponto de contacto, mas sim visar para além dele. Foco apenas estes dois pontos que considero básicos, visto não se tratar esta conversa de uma aula de Judo.

JMA: Muito obrigado, Sr. Engenheiro, pela sua colaboração e pelo tempo e conhecimentos que se dispôs a partilhar connosco.

SD: Sou eu que agradeço a gentileza e a bondade que teve em me ouvir.